Dizer o meu nome
Por Bárbara Bonvalot

Imagem de: Fotografia de Diego PH em Unsplash

Eu percebo o mundo através de sensações, emoções e sentimentos. O que significa que sou hipersensível, tanto a nível emocional como sensorial.

(Para simplificar, e porque dentro de mim é difícil separá-los, vou usar as palavras sensações e sentir para falar sobre estas ideias durante o resto do texto).

Sinto muito. Sinto intensa e profundamente. Mas na maioria das vezes não tenho consciência do que estou a sentir no momento em que o estou a sentir.

Para me tornar consciente de algumas das minhas sensações, tenho de parar e ficar um pouco com a sensação que está presente. Não é fácil. Às vezes, as sensações são demasiado desconfortáveis e não as quero ver cara a cara. Quero afastar-me. Mas já sei que sentar-me com elas é a única forma de elas me ajudarem e depois seguirem o seu caminho. Então, quando me sinto suficientemente segura, abro a guarda e deixo essas sensações virem à tona para que eu possa olhar para elas e conhecê-las.

Digo olhar para elas, porque, normalmente, as sensações vêm com imagens. Não imagens reais, cheias de detalhes, contornos e definição. São imagens subjectivas, oníricas, carregadas de simbolismo e significado. Uma ideia pré-verbal que, de alguma maneira, serve como uma forma, ou uma estrutura, através da qual as sensações podem tornar-se mais distintas e visíveis para mim. Por vezes as imagens são memórias ou histórias que na minha cabeça são descritivas desse sentimento, emoção ou sensação.

É por isso que, por vezes, tenho de contar uma história para conseguir transmitir o meu ponto de vista. Outras vezes, eu já sintetizei a história numa fórmula verbal que é mais directa e de fácil digestão para as outras pessoas.

Este é o último passo, verbalizar a imagem. Isto normalmente leva tempo. Muito tempo, dependendo se o contexto é novo ou inesperado para mim. Às vezes não digo nada. Não porque não se passe nada dentro de mim. Não porque não esteja consciente do que se passa à minha volta (embora de vez em quando isto também seja verdade). Mas porque estou a processar todos os estímulos nesse modo sensitivo inicial e vai levar algum tempo, de preferência num ambiente seguro, a processar a minha resposta em palavras compreensíveis que eu e as outras pessoas possamos compreender.

Os meus começos são neste modo sensível, instintivo, muito cru e quase animal, onde estou muito atenta a tudo e a processar todos os inputs a um nível muito profundo e inconsciente. A energia direccionada para este processo é muita e, enquanto isto está a acontecer, não há ninguém ao volante da nave. A tripulação está toda reunida à volta das informações que está a receber e a nave ficou em piloto automático.

Acredito que todos os nossos começos têm o mesmo padrão. Quem somos e como reagimos no início de qualquer processo é semelhante a quem éramos e como reagíamos no início da nossa vida.

É por isso que sempre foi tão difícil definir-me quando me encontro num novo contexto. Quando estou nesse modo sensível dos inícios, não sei quem sou. A definição só acontece em relação e, enquanto estou a sondar, a sentir e a processar a um nível inconsciente cada estímulo que recebo do mundo exterior numa determinada situação, ainda não consigo saber quem sou nessa situação.

Para mim, definir-me é uma espada de dois gumes. Ser vista significa que estou a abrir a possibilidade de rejeição. Não ser vista significa que não vou conseguir satisfazer as minhas necessidades.

Nos últimos dois anos tenho feito uma viagem de auto-descoberta como autista. Compreender-me através desta lente que tem todas as cores arco-íris e encontrar o meu próprio contorno nesta dimensão escondida e tantas vezes mal compreendida da neurodiversidade foi como encontrar o contentor que me segura e que me define. E simultaneamente que me permite crescer e desdobrar-me em novas dimensões, como um fractal.

Há dois anos, não teria conseguido explicar-te o meu padrão de processamento como descrevi em cima. Não teria conseguido fazê-lo pela simples razão de que não me era conhecido com este detalhe e profundidade.

Mas esta descoberta não é sem dor. Nomear-me, ser capaz de dizer “sou autista”, é por vezes recebido com incompreensão ou mesmo confronto. A tal espada de dois gumes.

A questão é que, ao conhecer mais dimensões de mim própria, não as posso desver, não posso voltar àquela pessoa indefinida, bem comportada, maleável e pronta a adaptar-se ao mundo exterior. À medida que conquisto cada vez mais paisagens interiores, torna-se mais difícil corresponder às expectativas exteriores, das outras pessoas e às normas sociais.

Conhece-te a ti mesme.
Define-te e diz o teu nome.

Eu sou a Bárbara. Mulher. Autista. Desconstrutora.

Quem és tu?

(4 de Abril de 2022)

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