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Nota de repúdio

No passado Dia do Trabalhador, a 1 de maio, o jornal Observador publicou o artigo de opinião de Alberto Veronesi e Susana Mendes, “A inclusão pedagogicamente assassina”. Vimos por este meio expressar a nossa preocupação por este artigo, pelas razões que apresentamos a seguir. Os autores mencionam o caso de uma criança que frequenta o primeiro ano do ensino básico da escola onde ambos lecionam.


É mencionado que a aluna em causa tem PEA (perturbação de espectro do autismo), que evidencia sintomas de enorme stress e meltdowns – crises de sobrecarga sensorial e desorientação por falta das acomodações necessárias para se sentir segura no novo espaço – e que, dois meses depois, continua desorientada, necessita de apoio para ir à casa de banho, não fala português (acentuam que não é portuguesa), entra em pânico com os ruídos, e tem seletividade alimentar. No entanto, a descrição desumanizante apresentada pelos autores destas condições não demonstra qualquer empatia com o sofrimento da criança perante dificuldades que ainda não controla. Em vez disso, os autores acentuam a exclusão de 24 crianças causada pela “inclusão frustrada” da aluna, e o stress emocional da professora. Na verdade, nenhuma das características exibidas pela criança são incompreensíveis à luz do diagnóstico de PEA, e qualquer terapeuta ocupacional ou profissional de educação especial sabe designar estratégias para que a criança possa ser verdadeiramente incluída na escola, e certamente demonstrar progressos ao longo do tempo. A professora da aluna fez a referenciação da criança à Equipa Multidisciplinar de Apoio à Inclusão (EMAI), que indicou as medidas necessárias – a alocação de um assistente operacional à criança, e a criação de um espaço seguro para a regulação emocional, acompanhada por um adulto. Medidas que, denunciam os professores da escola, não existem. É aqui que os autores mostram claramente o seu ponto de vista, a dizer que as medidas de inclusão são “porcarias” que o ministro concebeu, que designam de “idiotices pedagógicas”.
A falta de formação de docentes e não docentes e mais apoios nas escolas para a inclusão, estão de facto em falta nas escolas portuguesas, e são certamente críticas para o bem-estar e sucesso não só da criança, mas de toda a escola pública. No entanto, todo o ser humano tem direito à instrução, e a falha de realizar este direito é uma violação dos direitos humanos. As medidas indicadas têm de aparecer e devem apurar-se responsabilidades pela sua ausência. Não pode ficar implícito que a segregação é uma opção, em vez de pedir melhores condições de integração das crianças autistas. A segregação é uma forma de desumanização, que leva à institucionalização, à esterilização e genocídio de pessoas com deficiência.


Não é difícil saber qual é a escola em causa, uma vez que a informação está disponível online. Com as características especificas da criança, também não seria difícil a sua identificação, e com certeza, qualquer pessoa daquela escola soube exatamente quem foi mencionado. A exposição de situações difíceis de uma criança em público, principalmente com o intuito de desumanizar e de basear discriminação e segregação dessa mesma criança, não pode ser permitido. Para além da xenofobia e capacitismo que poderão experienciar os pais e da família ao lerem o artigo, a criança pode, e vai, crescer um dia e pode encontrar este artigo, onde expõe momentos difíceis e opiniões capacitistas dos professores sobre si. A divulgação pública de dados de saúde confidenciais e de detalhes de medidas providenciadas a uma criança com necessidades educativas especiais viola o direito à privacidade e o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, e vai contra o artigo 26º da Constituição Portuguesa para a privacidade da família, e o artigo 22º – Respeito pela privacidade, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas, aprovada na Assembleia Geral da Organização a 13 de Dezembro de 2006 e adotada em 30 de Março de 2007, aprovada e ratificada pelo Estado Português.


Compreendemos a importância da liberdade de expressão, mas esta deve sempre ser usufruída quando não forem quebradas leis portuguesas e europeias de privacidade e quando esta não é utilizada para a incitação à segregação e discriminação.
Pedimos assim a retração deste artigo, e disponibilizamos a Associação Portuguesa Voz do Autista para trabalhar com o Ministério da Educação ou qualquer outra entidade no desenvolvimento de formação para docentes e não docentes, desenvolvido por autistas.

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