A saúde mental das pessoas autistas
Texto para a semana de sensibilização para a saúde mental - 15 a 21 de Maio

Texto por Rita Serra

Comecemos por dizer que a saúde mental, pelo menos no mundo ocidental, é a batalha do século XXI. Uma proporção muito significativa da população sofre dores invisíveis, que não se refletem imediatamente em dores físicas, e que não são uma causa ou condição direta de situações de privação e de escassez, como, por exemplo, a fome, ou a falta de habitação. Trata-se de dores como a ansiedade, a depressão, o burnout, e também de dores ainda mais íntimas, como o isolamento, a incompreensão e a alienação. As pessoas autistas não são alheias a estas dores. Ao longo da vida, as crianças autistas sofrem mais de ideação suicida, e podem ser desproporcionalmente vítimas de bullying. Na adolescência, a ansiedade e a depressão são comuns, assim como as desordens alimentares, como a anorexia e bulimia. Enquanto adultas, com o aumento de responsabilidades familiares e expectativas de sucesso pessoal e laboralmente, as pessoas autistas encontram-se entre as que mais procuram os serviços de saúde mental internacionalmente, e as mais frustradas no que diz respeito aos serviços profissionais prestados.

Um número crescente de estudos muito recentes procurou as causas da insatisfação das pessoas autistas quando procuram serviços de saúde mental. Nos últimos cinco anos as barreiras têm sido identificadas de forma sistemática, e uma das principais barreiras à provisão de serviços de saúde mental de qualidade a pessoas autistas adultas é a falta de conhecimento dos profissionais de saúde sobre o autismo. Apesar de não existirem estudos sobre Portugal, estudos de outros países europeus mostram o desconhecimento que existe por parte dos profissionais de saúde relativamente ao autismo comparado com outras condições ou em relação a distúrbios de personalidade. Os comportamentos e formas de ser autista são frequentemente confundidos como manifestações de condições psiquiátricas ou de trauma, o que faz com que os profissionais de saúde mental possam fazer erros de atribuição ao autismo e falhar outras causas de sofrimento, relacionadas com as dinâmicas sociais e em particular, com a violência. Muitos profissionais não vão arriscar prestar assistência a pessoas autistas porque sentem falta de confiança e falta de formação para o fazer. A prestação de serviços mentais a pessoas autistas tem de ter em consideração o diagnóstico de autismo para poderem ir de encontro às necessidades específicas de cada paciente, e colocar em prática as acomodações de linguagem, de comunicação e sensoriais necessárias a encontros clínicos que não sejam causadores eles mesmos de ansiedade e de trauma – acomodações ao medo da mudança e incerteza, explicando antecipadamente no que consistem as sessões e os seus objetivos, o que se espera alcançar, uso de linguagem adequada ao pensamento literal, e considerações gerais sobre acessibilidade aos serviços, que vão desde as longas listas de espera até à fraca cobertura dos seguros de saúde, e à condição sócio-económica e geográfica (áreas rurais vs. áreas urbanas) das pessoas autistas e das suas famílias, que pode excluí-las de usufruir de serviços de saúde mental privados e públicos.

Muitas pessoas vão procurar profissionais de saúde mental sem serem diagnosticadas. O que vão dizer não vai fazer sentido para profissionais de saúde, que sem as “legendas” fornecidas pelo diagnóstico, não vão perceber as dificuldades sociais exibidas por pessoas que podem, à primeira vista, ser “altamente funcionais”, com formação superior, ou empregos qualificados. Essas pessoas vão poder ser acusadas pelos próprios profissionais de saúde de bloquearem os processos terapêuticos, que falham em identificar rigidez cognitiva nos seus pacientes, ou os custos de mascarar e procurar identificar-se com experiências emocionais dos seus pares que lhes são alheias, para se “integrarem” em ambientes escolares ou de trabalho. As mulheres, em particular, estão entre as pessoas autistas que mais procuram serviços de saúde mental, e mais se sentem frustradas com a resposta.

Felizmente, a situação tem procurado ser revertida mediante formas de investigação participativa entre pessoas autistas e profissionais de saúde mental especializados em autismo. A identificação sistemática das barreiras que existem pessoal e familiarmente, a nível dos serviços e ao nível dos profissionais de saúde mental tem motivado formas para as ultrapassar, a fim de encontrar terapias mais eficazes para aliviar o sofrimento de pessoas autistas, para que possam encontrar e definir as suas formas de bem-estar na sociedade. O envolvimento de pessoas autistas na investigação sobre saúde mental permite uma maior compreensão sobre comportamentos, estilos de pensamento e formas de sentir autistas, e a definição de novas agendas de investigação e prioridades que partem da comunidade autista, como o burnout autista, a relação entre o sono e a saúde mental, entre muitas outras.

É neste sentido que a APVA – Associação Portuguesa Voz do Autista, está a iniciar o AUTICORPOS em Portugal, projeto cofinanciado pelo INR – Instituto Nacional de Reabilitação, para identificar as barreiras juntamente de profissionais de saúde mental aliados das pessoas autistas, que visam promover como forma de bem-estar o respeito pela expressão e formas de relacionamento autistas, assim como estratégias para lidar com as diferenças de formas que não sejam danosas.

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