Setembro Amarelo
Suicídio em pessoas neurodivergentes por Andreia Domingos

Em setembro celebra-se um movimento muito importante. É mês da prevenção contra o suicídio, mundialmente designado por setembro Amarelo.
Segundo o manual MSD, “designa-se suicídio, a morte causada por um ato intencional de automutilação, projetado para ser letal. Comportamento suicida engloba um espectro de comportamentos, de tentativas de suicídio e comportamentos preparatórios a suicídio completo. Ideação suicida refere-se ao processo de pensar, considerar ou planear o suicídio.”
Neste mês são elaboradas campanhas de prevenção com o objetivo de consciencializar a população para a importância de cuidar da saúde mental, assim como de reforçar a atenção aos sinais de alerta, e correspondente sintomatologia, que possam ser sinónimo de possível ideação suicida, junto daqueles que nos rodeiam. Pretende-se promover a intervenção atempada e quebrar o estigma e preconceito acerca da saúde mental enquanto “tabu social”. Estas campanhas de prevenção têm especial ênfase no dia 10 de setembro (dia de prevenção contra o suicídio). No entanto, segundo o SNS, a celebração do setembro amarelo não se restringe apenas a este dia, ocorrendo durante todo o mês, como forma de sinalizar a importância da atenção a este tipo de situações, devendo a prevenção e a sensibilização estender-se ao resto do ano.
Em Portugal, esta data começou a ser comemorada em 2017, por iniciativa do observatório dos comportamentos suicidários da unidade local de saúde no baixo Alentejo (USLBA) e da Associação de Reabilitação e Integração Social da pessoa com experiência de saúde mental (ARIS-planície) da cidade de Beja. Esta campanha contou com várias atividades preventivas e de incentivo, que continuam a ser realizadas.
De acordo com o manual da ordem dos psicólogos portugueses (OPP), Vamos Falar Sobre Suicídio, todos os anos cerca de 800.000 pessoas morrem devido ao suicídio no mundo, o que corresponde a uma morte por suicídio a cada 40 segundos. Em Portugal, segundo os dados disponibilizados no site do SNS, este valor está acima da média global de suicídios, com uma taxa de 13,7 por 100 mil habitantes (em 2015), face a uma taxa mundial de 10,7 (dados da OMS). De acordo com manual da OPP anteriormente referido, em Portugal morrem diariamente 3 pessoas, em média, ressalvando-se que os números poderão ser ainda superiores, devido ao facto de, nem todas as mortes serem registadas corretamente. Estima-se que o número de tentativas seja 25 vezes superior ao número de mortes registadas.
O suicídio é a segunda maior causa de morte nos jovens no mundo, na faixa etária entre os 15 e os 34 anos. Pessoas com condições de saúde mental agravadas, assim como pessoas pertencentes a categorias sociais correspondentes a minorias, têm uma maior probabilidade de cometer suicídio e representam um maior número de casos registados.
Embora em Portugal não existam dados referentes ao suicídio em pessoas neurodivergentes, e muito poucos relativamente a pessoas com deficiência, sabemos, segundo os dados publicados pelo SNS e pela OPP, que estas condições são potencialmente mais propícias à ideação e tentativa suicida, por gerarem condições de saúde mental adversas provenientes do sentimento de não pertença e de exclusão social.
Segundo os autores do estudo Differences in Suicide Risk Correlates and History of Suicide Ideation and Attempts as a Function of Disability Type (Bryan. J. C.; Pearlstien G., J; Anestis D. M., et.al), pessoas com deficiências físicas, intelectuais e psicosociais, têm mais tendência para desenvolver depressão, ansiedade, o que pode gerar comportamentos suicidas. O sentimento de discriminação, de exclusão social e de culpa por serem “diferentes”, propiciam uma baixa autoestima e uma auto-perceção extremamente negativa, como se a sua validade fosse praticamente nula. Este estudo recolheu relatos verídicos com vista a recolher dados.
Salientam-se as seguintes frases proferidas por participantes no estudo acima referido: “Devido à minha deficiência, eu sinto que algumas pessoas me tratam como sendo uma pessoa inferior” e “Devido à minha deficiência, eu sinto que muitas pessoas não se sentem confortáveis comigo”. Analisando estas frases, podemos ver exemplos do quão grave terá sido o grau de violência sofrido por estes participantes, como motivação central para a tentativa de suicídio, destacando-se que estas pessoas se sentem “a mais” ou “inferiores” grande parte do tempo. O sentimento de inutilidade e de não pertença é considerado dos mais fatais para a decadência da saúde mental, para uma auto perceção e autoestima severamente baixas e posterior ideação e tentativa suicida.
Sendo que, parte das neurodivergências são consideradas deficiências, e sendo que os dados disponíveis neste âmbito são os da deficiência, podemos inferir que os valores relativos ao grupo das neurodivergências não serão menores, antes pelo contrário. Sublinha-se a importância de, no futuro, se realizarem estudos sobre a incidência da ideação e tentativa suicida na comunidade neurodivergente em Portugal.
No que diz respeito ao suicídio em pessoas neurodivergentes, ao realizar a pesquisa para este artigo, somente se encontraram dados relativos ao Autismo.
Segundo os autores do estudo “A Systematic Review and Meta-analysis of Suicidality in Aautistic and Possibly Autistic People Without Cooccurring Intellectual Disability” (Newell V. Phillips L. Jones C. et. Al), pelo facto de a informação existente ser insuficiente para que o diagnóstico chegue atempadamente a toda a população autista, e de esta ser uma deficiência invisível “a olho nu”, a necessidade que a população autista sente de camuflar as características do Autismo (“masking”) – em tentar assemelhar o seu comportamento ao da população maioritariamente neurotípica, para se sentir parte dos grupos sociais, que muitas vezes rejeitam, mal tratam, praticam atos capacitistas e atitudes violentas – é causadora muitas vezes de um sofrimento extremo. Todos estes fatores contribuem para o desenvolvimento de condições de saúde mental adversas – derivadas da violência exercida, do sentimento de não pertença e de estranheza – como depressão, ansiedade, traumas, perturbação de stress pós-traumático, entre outras, que aumentam exponencialmente o risco de suicídio.
O estudo refere que a falta de informação e de ferramentas de diagnóstico adequadas atrasam a atribuição do diagnóstico, que muitas vezes é tardio, o que agrava o risco de suicídio ao potenciar as situações acima descritas. Importa ressalvar que o diagnóstico de autismo no sexo feminino é dificultado devido a obstáculos de conduta social, bem como pelo facto de a informação disponível para diagnóstico ser principalmente estudada para o sexo masculino.
Denota-se ainda, no mesmo sentido, uma grande lacuna na auto perceção, que gera crises de identidade, que agravam o estado de saúde mental e o sentimento de vazio e não pertença, alastrando em larga escala o risco de suicídio. Os dados do estudo revelam que, no Reino Unido, 10,7% das pessoas diagnosticadas com Autismo, ou com fortes suspeitas, morrem por suicídio. É importante olhar para este dado com atenção, pois, tendo em consideração a dificuldade no acesso ao diagnóstico, e que esta percentagem é apenas correspondente, ao Reino Unido, os valores serão na realidade bastante mais elevados. Simbolizam um grande sinal de alerta para a importância do diagnóstico atempado, através da informação e do desenvolvimento de estratégias de inclusão social da comunidade autista.
Estes dados, embora digam apenas respeito a uma neurodivergência, são indicativos da urgência de uma intervenção em grande escala na prevenção do suicídio em toda a população neurodivervente.
Portugal não apresenta dados acerca do suicídio na população neurodivergente, apenas existem dados publicados acerca da deficiência, e uma ínfima menção ao autismo. E a ausência de dados acerca do suicídio na neurodiversidade é demonstrativa da falta de ação neste âmbito e da emergência no desenvolvimento de medidas de apoio e recursos na área da neurodiversidade em Portugal.
O suicídio é, de facto, um assunto ainda pouco falado. É indiscutível a importância deste mês, e de outras iniciativas sobre o assunto, para a consciencialização da população para a necessidade da redução dos níveis de discriminação social e capacitismo, para que as pessoas se possam sentir válidas e incluídas, independentemente das suas características. É importante lembrar que somos todos seres humanos e cidadãos do mundo, tendo os mesmos direitos e merecedores do mesmo nível de respeito.
Não é fácil navegar nas “normas” sociais tendo nascido diferente ou, por circunstâncias da vida, ter surgido a diferença. Não é fácil olhar para o lado e sentir que se é menos capaz, quando, na verdade, na maioria das vezes, não se trata de ser menos capaz, mas sim de ter que percorrer um caminho diferente, ou mais longo, para chegar a determinado patamar.
O Setembro amarelo é uma iniciativa de extrema importância, pois é fundamental apelar à atenção redobrada aos possíveis sinais de ideação suicida, assim como ao impacto gigantesco, em termos sociais, do suicídio na população neurodivergente.
Andreia Domingos

Citações: 1.“Because of my disability/disabilities, I feel that some people treat me like an inferior person.” 2. “Because of my disability/disabilities, I feel that some people are not comfortable with me”.

Referências:
Khazem LR, Pearlstien JG, Anestis MD, Gratz KL, Tull MT, Bryan CJ. Differences in suicide risk correlates and history of suicide ideation and attempts as a function of disability type. J Clin Psychol. 2023 Feb;79(2):466-476. doi: 10.1002/jclp.23419. Epub 2022 Jul 31.
Newell V, Phillips L, Jones C, Townsend E, Richards C, Cassidy S. A systematic review and meta-analysis of suicidality in autistic and possibly autistic people without co-occurring intellectual disability. Mol Autism. 2023 Mar 15;14(1):12. doi: 10.1186/s13229-023-00544-7.
Ordem dos psicólogos portugueses & Associação Sobre Viver Depois do Suicídio; dia mundial de prevenção do suicídio; Vamos falar sobre suicídio.
Moutier, C. (2021, 4 de junho). Comportamento suicida – Transtornos psiquiátricos – Manuais MSD edição para profissionais.
https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/transtornos-psiquiátricos/comportamento-suicida-e-autolesão/comportamento-suicida
Uma em cada 100 mortes ocorre por suicídio, revelam estatísticas da OMS – OPAS/OMS |Organização Pan-Americana da Saúde. (s.d.). PAHO/WHO | Pan American Health Organization. https://www.paho.org/pt/noticias/17-6-2021-uma-em-cada-100-mortes-ocorre-por-suicidio-revelam-estatisticas-da-oms
Campanha Setembro Amarelo. (s.d.). setembro 2017; SNS – Portal do SNS. https://www.sns.gov.pt/noticias/2017/09/07/campanha-setembro-amarelo/

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