Nuno N Silva

Era eu um miúdo de 6 anos, lembro-me dos meus colegas, um por um. O facto de ter boa memória e o hiperfoco de analisar a mente humana fez com que me lembre de cada um individualmente, mas há algo, muito mais prevalente que me fez lembrar no coletivo, das sete escolas onde frequentei… Esse algo, foi o bullying que passei. Não sei situar exatamente quando começou, desde as agressões físicas e verbais, a violência emocional e a desvalorização constante por parte de colegas, pois foi uma constante, desde a altura do infantário. Lembro-me de frequentar maior parte dos intervalos sozinho, ou por se afastarem ou por eu me afastar, querendo evitar humilhações públicas, ou até mesmo agressões físicas. O facto de não gostar de desportos, ter problemas de coordenação motora, e ter temas de conversa diferentes de maioria dos rapazes, foram o alvo desses conflitos.
Com o passar dos anos, e a situação agravando-se, cada vez era menos convidado para algo, ou abordado por razões positivas, e cada vez mais eram as perseguições e chacota, que seguia rumo até fugir para dentro de casa. Cheguei a receber telefonemas anónimos, ameaçando-me de morte, e ao ponto de contemplar suicídio, ou até mesmo vingança perante os meus colegas. Tenho, e de certa forma sempre tive, orgulho em ser quem sou, parte essa de quem eu sou, o autismo. Sendo duma forma diferente, e assumindo-me como sou, criei muitas inimizades pelo caminho. Onde a mentalidade dos jovens é muitas vezes “aquele miúdo/a é estranho… daí um alvo a abater”, e dos adultos que acreditam que “rapazes serão rapazes, e eles entendem-se…”. Faz me pensar em duas coisas: Uma, que em 4 milhões de anos de desenvolvimento da raça humana, aprendemos muito de como construir objetos e muito pouco de como construir relações com os outros. A outra, que o bullying é uma realidade que prevalece trivializada para séries da Netflix, e ignorado como problema a ser abordado, e resolvido. O tempo passa e a memória afetiva dos episódios vai desvanecendo, mas há coisas que continuam. Continua alguma desconfiança com as pessoas, a ansiedade em lidar com elas, sobretudo conhecê-las. Continua também a vida, saí da escola completando o ensino secundário. Agarrei-me ao meu hiperfoco, agora com um propósito melhor de ajudar outras pessoas, como terapeuta holístico. Eu tive o privilégio de passar de “vítima”, para “sobrevivente”. Mas muitos de nós acabaram como vítimas, duma pandemia maior – a da desigualdade e o estigma, seja pela neurodiversidade ou por outra divergência qualquer, e alguns deles, acabaram por retirar-se com a própria vida.
Com o tempo, juntei o meu hiperfoco e experiências de vida, positivas e negativas em algo maior. Transformei numa missão, a missão de trazer consciência às pessoas, de si, dos outros, do mundo… O meu nome é Nuno Silva, hoje tenho 25 anos. Se pudesse, ia ter com aquele rapaz ferido de 15 anos… 10 anos… ou até de 5 anos e lembrava-o, que um dia tudo aquilo teria um significado, o significado que ele quisesse dar, e esse tornaria-o no Homem, curador de si e de outros, que hoje é, ainda com uma vida esplêndida pela frente. Acho que ele/eu, no fundo sabia disso, e acho que no fundo os bullies também o sabiam, com apenas uma diferença… Eu Venci, e hoje convido a quem quiser, a vencer também. Grato

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