Passei vinte anos a fingir ser uma pessoa que não era. Mascarava todas as minhas caraterísticas para ser aceite em sociedade. Desde pequena que imitava o comportamento dos outros, que reprimia as minhas estereotipias, que me controlava ao máximo para não ter nenhum meltdown e arranjava estratégias para disfarçar as minhas dificuldades. Tudo isto sem dar conta que o fazia. Estava já tão enraizado em mim que pensava que eu era assim. Pensava que fazia contacto visual, pensava que era apenas uma pessoa tímida e que não gostava muito de estar com pessoas. Mas não. Era tudo menos isso. Ir para a escola começou a ser um sofrimento e desespero enorme. Chorava e passava 24h sob ansiedade. Não aguentava mais. Percebi que aquela não era eu. Que andava a fingir este tempo todo. Que ninguém me compreendia. E isso foi o mais difícil. Não ser compreendida. Estava mal, mas não sabia porquê. Toda a gente à minha volta achava que eu estava a exagerar. Foi depois que tive o meu diagnóstico de Autismo. Tive medo. Tive vergonha de ser assim, de ter Autismo. Não queria ser tratada de forma diferente, não queria ser tratada como uma coitadinha, como uma deficiente. Eu bem via como a maioria das pessoas falava dos Autistas e a maneira como gozavam com eles. Eu não queria isso para mim. Eu não queria ser Autista. Mas, por outro lado queria ser aceite tal como era, queria ser eu própria sem medos e sem ter de fingir ser uma pessoa que não era. Mas para isso tinha de me aceitar primeiro e eu não aceitava. Só queria ser uma pessoa normal. Entrei numa profunda depressão. Achava que nunca iria ser ninguém na vida, nunca iria conseguir ter uma vida normal. Via os meus antigos colegas já na universidade, a seguir o seu caminho e a sua vida. E eu ali. Deitada a chorar no meu quarto. Não era capaz de nada.
A incompreensão pela parte dos outros mantinha-se. A insistência para eu me fazer à vida, para eu ir estudar, trabalhar, aumentava a cada dia que passava.
Diziam que me aceitavam tal como eu era, ganhava coragem para deixar o mascaramento de lado e ser eu própria, mas sempre que isso acontecia, era logo recriminada.
Não aguentava mais. O sofrimento era maior do que a esperança. Estava cansada da minha vida e de ser assim. Apenas queria por fim à minha vida. Sentia-me uma extraterrestre e queria voltar para o meu Mundo. Não conseguia dormir, os pensamentos corroíam-me a mente. Não queria viver nem mais um dia e a única razão que me fazia adormecer era pensar que poderia não voltar a acordar. Os cortes no meu corpo eram cada vez mais frequentes pois queria sentir algo que fosse mais forte daquilo que eu sentia realmente.
Escrevi uma carta de despedida. Pus numa mochila as coisas que considerava mais importantes. Vesti o meu vestido mais bonito. Fui para um sítio perto de casa que tinha algum significado para mim. Tirei os comprimidos da mochila e tomei-os todos com água. Mandei mensagens às pessoas mais importantes para mim a dizer que gostava muito delas. Fiquei ali parada à espera que acontecesse o que queria. Comecei a sentir-me tonta e sem conseguir falar e andar muito bem. O meu pai apareceu, pegou em mim e chamou uma ambulância.
O mascaramento é real. A incompreensão é real. O sofrimento e o desespero é real. E o suicídio também é.
Maria do Mar